quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A Lição de Farias Brito, por Jackson De Figueiredo

A Lição de Farias Brito, por Jackson De Figueiredo


Já tendo tratado de Farias Brito aqui, torno novamente a mencioná-lo, ele que é um desses vultos nacionais, responsável pela ronda da pátria, como dizia Gerardo Mello Mourão.

Agora apresento a sua Lição, segundo o grande patrício brasileiro de espírito eminentemente revolucionário e cristão, o ilustre Jackson De Figueiredo. 


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FAZ amanhã cinco anos que morreu Farias Brito, o homem á sombra de cujo sofrimento e imensa resignação fortaleceu-se a minha fé no mundo do espírito, e de quem, no entanto, só me distanciei, até hoje, para entrar definitivamente nos umbrais da Igreja, e ajoelhar-me ante o altar d'Aquele que é a própria Sabedoria, a Verdade mesma.

Será por isto que, mais consciente da minha própria pequenez, cada vez amo e venero mais a memória de quem foi, sem o saber mesmo, uma alta expressão do espírito cristão —
gravidade, doçura, profundeza — desse espírito que modelou as nobres raças que são as senhoras do mundo, e jamais se deixará vencer, e jamais consentirá que se apague o seu brilho da fonte augusta dos povos que redimiu.

A saudade com que escrevo estas linhas, não me empresta tintas com que disfarce o que foi erro em sua vida de pensador. Nem quero mesmo falar dos seus últimos tristes, mas abençoados dias, em que viu fazer-se nova luz em seu espírito, e teve a nítida, se bem que rápida visão, logo interrompida pela morte, de que só do alto da Cruz jorra a divina claridade, que ilumina as consciências e leva paz aos corações... Não. Não preciso lançar mão desses dados de sua tão melancólica quão edificante história, do tempo em que, tão próxima já, eram a morte e, com a morte, a vida eterna, as suas duas uicas, exclusivas preocupações.

Também durante os longos anos de seu duro aprendizado não fora "Farias Brito, neste recanto do mundo, que é o Brasil, do ponto de vista intelectual, senão um batalhador de ânimo cristão, servidor da Igreja, ignorando, ele próprio, entretanto, o que havia de mais alto e mais sagrado em sua missão.

Foram os seus primeiros livros, em verdade, o primeiro protesto da consciência nacional contra o fetichismo positivista, arvorado em doutrina oficial de uma sociedade que ameaçava apodrecer sobre um chão enodoado de ridículo e de sangue.

E, de boa fé, não há negar que, á sua decisão em desprezar todo respeito humano, e lançar-se na elaboração de um sistema francamente espiritualista, se deve este movimento de recristianização da nossa intelectualidade, tão visível nas novas gerações, apesar do ateísmo das escolas, e por mais que o queiram desconhecer os cegos de um ou de dois olhos, sobreviventes do reles diletantismo que toda a gloria do pensamento das gerações amadurecidas ao sol de 9...

Esta é a maior glória de Farias Brito, glória que só lhe poderão negar zoilos e cabotinos, incapazes de medir forças com obra tão formidável como a sua: o ter sido sempre, ora como crítico, ora esforçando-se por elaborar uma doutrina nova, e sem mesmo ter clara noção disto, uma força de consciência a serviço da natural religiosidade de nosso povo, um interprete das nossas crenças, como lhe chamou Xavier Marques.

Farias Brito está no rol daqueles racionalistas de que falava D. Benoit com simpatia e enternecimento... "qu'on est convenu de designer sous le nom de "spiritualistes"', que ne tient pas les consequences de leurs príncipes. ..", isto é, que, vítimas somente do individualismo, que se fez o que a Igreja chama de erro invencível, não tem a coragem cínica de ser, na parte prática das suas doutrinas, consequentes com o terriel princípio gerador de todas elas: o meu eu é tudo.. . e tudo o mais é sombra do meu eu.. .

Eis por que ele foi o nosso primeiro grande reacionário contra o ateísmo inferior que, nos domínios mesmo da nossa vida social e política, se implantara e tudo lentamente apodrecia, caracteres e inteligencias, leis e costumes. Ele foi quem primeiro compreendeu, entre nós, o que Georges Fonsegrive viria a dar depois á própria França como resumo das doutrinas de um dos seus grandes pensadores modernos, E. Boutroux:

"Não existe doutrina mais debilitante que aquela que nos afirma que a nossa vida nada acrescenta ás vidas do passado, e que o mundo gira invariavelmente num círculo eterno, como a serpente que morde a própria cauda. Ora, o mundo da realidade é o mundo da história (e não o da ideologia determinista), onde tudo é novo, incessantemente; é o mundo onde reina a liberdade!"

Eu poderia citar palavras quase idênticas daquele pobre grande brasileiro, que não teve, em vida, maior amparo que o que lhe dava a solidão. . .

E tanto foi assim um reacionário contra a desordem e a anarquia com que o cientificismo de baixa estirpe tanto diminuiu a consciência brasileira que, ainda o conselheiro Ruy Barbosa nem sonhava que poderia assombrar-se um dia com o fantasma da Revolução, e já, incerto, é bem verdade, do que aceitar e indicar como meio de resolver a crise moral da nossa coletividade, apontava Farias Brito como causa mais próxima do nosso mal, assim como do mal do mundo inteiro, a falta de fé religiosa, o monstruoso materialismo que falseia todas as leis, no que elas pretendem ter de humanitárias e de justas, dado que, logicamente, só um princípio regerá os destinos de uma sociedade em que o materialismo predomine: o interesse. “E 
— dizia ele nesta confusão assombrosa, se o interesse torna-se o único critério das ações, e a corrupção, feita avalanche, tudo envolve em suas manobras insaciáveis, o que unicamente importa para cada um, é vencer. Vença, pois, quem puder é o conselho da experiencia neste verdadeiro naufrágio da humanidade.”

Protestou a sua alma, até o fim, contra semelhante monstruosidade e teve, naqueles temerosos dias da guerra, como que a confirmação de que já o mal era irremediável...


Morreu talvez com essa tristeza enorme no coração, se bem que também certo de que alguma coisa de imorredouro e de invencível acena a todos os homens dos braços da Cruz.


E nesta certeza se abrigava, de fato, em sua alma, a verdade que não morre.


A reação contra o individualismo revolucionário já se faz ver, por toda a parte, com mais força de que fora possível imaginar, após o longo e tenebroso período da conflagração mundial.


Este, aquele povo, menos experiente e mais facilmente explorável, afundar-se-á, debater-se-á, morrerá talvez no mar sangrento da Revolução. Mas a humanidade há de salvar-se, por fim, porque as portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja, e esta será sempre a eterna acolhedora, em cujo seio depôs Deus o segredo da ordem e da justiça.

Jackson De Figueiredo - 15/01/1922


[FIGUEIREDO, Jackson De. A Reação do Bom Senso. Ed: Anuário do Brasil, Rio de Janeiro, 1923; Pág's 101-105]





Farias Brito
Jackson De Figueiredo

























Por Cristo e pela Nação: Anauê!

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